A arquitetura política no Brasil precisa de grande reformulação, a começar pelo reforço das identidades partidárias, hoje esgarçadas como pano roto imprestável. Partidos abandonaram seus programas iniciais, arrastados pela débâcle das ideologias, cujo marco foi a derrubada do Muro de Berlim.
O socialismo clássico perdeu as estribeiras, o liberalismo mais parece uma parede rebocada a todo momento, ao gosto do experimentalismo de governantes sem rumo fixo, enquanto a social-democracia se estiola, perdendo substância.
Por aqui, o esforço de renovação tem se concentrado na superfície, mais claramente no nome da sigla. O DEM, que substituiu o PFL, se esforçou para apagar sua ligação com a ditadura militar. O PMDB, mais recentemente, tirou o P de partido, mas não conseguiu acender a velha chama que Ulisses Guimarães carregou por anos a fio, sob os hinos da liberdade, dos direitos humanos e da democracia. Bolsonaro tenta criar um partido para chamar de seu, o Aliança pelo Brasil, cujo escopo aponta para três Bs: boi, bíblia e bala.
Cheguemos perto do PT. Onde está a coluna vertebral do ente criado em fins dos anos 80 no ABC Paulista, sob o calor do chão de fábricas, o grito rouco de Lula, a bandeira vermelha do socialismo e a corrente uníssona de trabalhadores? Hoje, o PT está no epicentro da crise política que, há tempos, massacra a imagem de protagonistas, muitos expulsos da vivência congressual pelo voto, alguns detidos e outros respondendo a processos.
O PT está na caldeira fervente da Operação Lava-Jato. A sigla saiu da redoma do exclusivismo ético e moral em que se refugiou por muito tempo. Já não tem credibilidade para fazer a pregação entre “nós e eles”. O PT, como outros entes partidários, pode fazer algo para limpar sua fachada?
O governador do Maranhão, Flávio Dino, apontou uma pista. Estreita, mas pode ser o início de ampla remodelagem. Sugeriu a mudança de nome. Surgiu até a expressão “retrofit”. Esse termo, surgido na Europa e Estados Unidos, significa “colocar o antigo em forma” (retro do latim “movimentar-se para trás” e fit do inglês, significando adaptação, ajuste).
Nesse ponto, convém lembrar o conceito de identidade e de imagem. Identidade é a soma do escopo programático, tradição, lutas, história de sucesso e insucesso, quadros, enfim, tudo que lembre a grandeza do partido. Imagem, por sua vez, é a projeção da identidade, a percepção sensitiva captada pelos cidadãos, a ideia que se tem da agremiação.
A imagem dos partidos brasileiros está no fundo do poço. E sua elevação para níveis satisfatórios não se dará apenas por meio de artifícios do marketing, o que chamo também da cosmética partidária. Voltemos ao exemplo da parede. Pintar uma parede velha sem mexer no reboco poderá deixá-la bonita por pouco tempo.
Mais que retrofit imagético, os partidos deverão mexer em sua completa engenharia, montando uma base de conceitos e programas, um arsenal de compromissos, estruturas sólidas capazes de suportar as tempestades da política. E o que acontecerá se as siglas não se vestirem com o manto de conteúdos? Ora, afastamento progressivo da sociedade. Os eleitores acabarão votando em figuras do momento, aventureiros, impostores, perfis canhestros e sem preparo.
O momento sugere seguir os passos de Zaratustra, o profeta de Nietsche: “novos caminhos sigo, uma nova fala me empolga. Cansei-me das velhas línguas. Não quer mais o meu espírito caminhar com solas gastas.”
Gaudêncio Torquato
Professor e Jornalista